A realização do produto é um conceito fundamental dentro da gestão de qualidade que se refere ao conjunto coordenado de atividades através das quais um dispositivo médico passa do conceito inicial para o lançamento final no mercado e além. Na ISO 13485:2016, a Cláusula 7 (Realização do produto) detalha as expectativas para o planejamento, projeto, validação, produção e entrega de um dispositivo médico sob controle regulatório. Ela exige uma abordagem estruturada para garantir que cada etapa do ciclo de vida do dispositivo seja planejada, monitorada e alinhada com os objetivos de segurança, desempenho e conformidade.
Para profissionais regulatórios e líderes de qualidade, entender a realização do produto não se trata apenas de marcar caixas de procedimentos, mas sim de previsibilidade de engenharia, rastreabilidade e mitigação de risco no DNA do ciclo de vida do produto. Neste artigo, desembalamos cada fase da realização do produto, alinhando-a com obrigações regulatórias, melhores práticas e estratégias multifuncionais que ajudam os fabricantes de dispositivos médicos a fornecer produtos inovadores, mas em conformidade, ao mercado global.
Planejamento da realização do produto
A cláusula 7.1 da ISO 13485 exige que as organizações planejem e desenvolvam os processos necessários para a realização do produto. Esse planejamento deve ser proporcional à complexidade, classificação e uso pretendido do dispositivo e deve estar alinhado com o restante do QMS. O planejamento eficaz envolve definir claramente objetivos e responsabilidades, integrar requisitos regulatórios e de clientes, delinear estratégias de controle de risco e mapear cronogramas alinhados com a estratégia de negócios. Um plano detalhado também especificará os pontos de verificação para verificação, validação, transferência de projeto e colaboração interfuncional.
O resultado desta fase é normalmente um Plano de Realização de Produto (PRP) ou Plano de Projeto e Desenvolvimento. Este plano forma o plano operacional, mapeando a jornada do dispositivo desde o conceito inicial até o projeto, desenvolvimento, fabricação e comercialização. O plano também atribui responsabilidade aos departamentos e garante o alinhamento entre a execução técnica e a conformidade regulatória.
Informações de projeto e desenvolvimento
A entrada do projeto é o estágio em que a realização do produto se torna tangível. A cláusula 7.3.3 da ISO 13485 determina que as informações devem incluir não apenas requisitos funcionais e de desempenho, mas também expectativas de usabilidade, segurança e regulatórias. Essas informações devem ser claramente definidas, inequívocas e revisadas quanto à integridade e adequação.
Isso inclui interpretar as necessidades clínicas e do usuário, como garantir que um instrumento cirúrgico tenha aderência, alcance ou feedback apropriados. Também exige a revisão e integração dos padrões regulatórios aplicáveis, como o Anexo I do MDR ou o CFR 21 da FDA, Parte 820.30, e a compreensão das restrições relacionadas à biocompatibilidade, esterilização e ambientes de uso pretendido. As entradas de projeto também podem incluir padrões como ISO 10993 para biocompatibilidade, IEC 60601 para segurança elétrica e documentos de orientação específicos do produto.
Entradas cuidadosamente definidas e revisadas reduzem o risco de modificações de projeto em estágio final, aumentam a segurança do produto e minimizam a probabilidade de deficiências regulatórias durante auditorias ou envios.
Saídas de projeto e desenvolvimento
Assim que as entradas do projeto são confirmadas, a organização começa a gerar saídas do projeto. Essas saídas devem atender a todos os requisitos de entrada e estar em uma forma adequada para verificação e validação. A Cláusula 7.3.4 descreve as expectativas para documentar esses resultados como especificações, desenhos, protocolos de fabricação e procedimentos de inspeção.
As saídas de projeto geralmente incluem especificações detalhadas do dispositivo e desenhos técnicos que descrevem as características físicas, de software e de desempenho do dispositivo. As saídas também abrangem procedimentos de fabricação, critérios de seleção de materiais, protocolos de inspeção e teste e requisitos de interface de usuário para sistemas orientados por software. Para software, isso pode incluir algoritmos, estruturas de controle de versão e disposições de segurança cibernética. Para produtos físicos, pode incluir tolerâncias de componentes, acabamentos de superfície, requisitos de colagem ou soldagem e configurações de embalagem.
Cada saída do projeto deve ser revisada, aprovada e arquivada como parte do Registro Mestre do Dispositivo (DMR), garantindo rastreabilidade e reprodutibilidade.
Revisão, Verificação e Validação do Projeto
A revisão do projeto é um processo iterativo realizado em várias fases de desenvolvimento para garantir que o projeto continue a atender aos requisitos de entrada e às expectativas de controle de risco. A Cláusula 7.3.5 da ISO 13485 exige que essas revisões sejam formalmente documentadas e assistidas por participantes multifuncionais, incluindo indivíduos não diretamente envolvidos no trabalho de projeto.
A verificação e validação seguem as revisões do projeto. A verificação garante que as saídas do projeto atendam às especificações de entrada. Isso normalmente é obtido por meio de testes laboratoriais, análise estatística e revisão por pares. A validação, por outro lado, garante que o produto final cumpra seu uso pretendido em condições de uso reais ou simuladas. Por exemplo, a validação de um cateter cirúrgico pode envolver testes de usabilidade com cirurgiões em uma sala cirúrgica simulada, bem como avaliações pós-esterilização e embalagem. Estruturas regulatórias, como o Anexo XIV do MDR ou os requisitos IDE da FDA dos EUA, muitas vezes exigem fatores humanos e validação clínica, dependendo da classe de risco do dispositivo.
Todas as atividades devem ser rastreáveis no Arquivo Histórico do Projeto (DHF), que serve como evidência de que o produto foi desenvolvido de maneira controlada e em conformidade.
Transferência de Projeto e Prontidão para Produção
A transferência de projeto preenche a lacuna entre P&D e produção. Esta etapa garante que as saídas de projeto validadas sejam traduzidas com precisão em procedimentos de fabricação e que os sistemas de produção estejam equipados para atender às especificações necessárias. A Cláusula 7.3.6 descreve que as organizações devem garantir que as instruções de produção estejam completas, corretas e validadas.
O processo de transferência envolve verificar se toda a documentação, incluindo instruções de trabalho, procedimentos de inspeção e planos de controle, foi validada no ambiente de produção. A validação do processo (IQ/OQ/PQ) do equipamento é realizada para garantir a repetibilidade e confiabilidade. Programas de treinamento são implementados para educar as equipes de produção sobre nuances específicas do dispositivo. Os sistemas de controle de alterações devem estar prontos para lidar com modificações em estágios finais e planos de mitigação de risco devem estar em vigor para desvios de processo.
Uma transferência de projeto bem-sucedida permite produção escalável, minimiza o retrabalho e evita erros dispendiosos que podem afetar os cronogramas regulatórios.
Controles de compras e fornecedores
A realização do produto engloba a qualidade e a confiabilidade dos componentes e serviços fornecidos externamente. Os fornecedores podem afetar significativamente a segurança do dispositivo e, portanto, devem ser avaliados, qualificados e monitorados sob um sistema formal de gestão de fornecedores. A Cláusula 7.4 exige controles para seleção de fornecedores, validação de produtos comprados e monitoramento contínuo do desempenho.
As principais atividades incluem a realização de auditorias iniciais de fornecedores para avaliar a capacidade e a conformidade, definindo critérios de inspeção para materiais recebidos e estabelecendo acordos contratuais que exigem a adesão às expectativas regulatórias. Fornecedores críticos — aqueles que fornecem componentes que afetam a segurança ou o desempenho — podem exigir métricas de desempenho, scorecards ou gatilhos de escalonamento em caso de não conformidade. Comunicação contínua, cronogramas de auditoria e estruturas de ação corretiva garantem a confiabilidade do fornecedor.
A rastreabilidade das peças fornecidas é essencial, especialmente em recalls ou investigações de reclamações. A documentação dos controles de compras é examinada rotineiramente durante auditorias regulatórias.
Controle de produção e processo
Uma vez que o projeto tenha sido transferido, a produção deve ser realizada sob condições controladas. Isso envolve desenvolver instruções de trabalho documentadas, calibrar equipamentos, realizar inspeções em processo e capturar registros de produção. O ambiente, o pessoal e as ferramentas devem ser adequados para o nível de precisão e limpeza necessários.
Processos que não podem ser totalmente verificados por meio de testes de pós-produção, como esterilização terminal ou instalação de software, devem ser validados durante a configuração da produção. Este processo de validação inclui Qualificação de Instalação (IQ), Qualificação Operacional (OQ) e Qualificação de Desempenho (PQ). Os fabricantes também devem implementar controles para inspeção em linha, manuseio de não conformidade e segregação de materiais.
Os Registros Históricos do Dispositivo (DHRs) devem ser meticulosamente mantidos para garantir a rastreabilidade completa de cada lote de produção ou unidade serializada. Esses registros são essenciais para demonstrar conformidade durante auditorias, apoiar ações de campo e confirmar investigações de reclamações.
Realização do produto como uma disciplina do ciclo de vida
A realização do produto não é uma fase de procedimento única — é uma estrutura abrangente e multifuncional que rege a transformação de um conceito em um dispositivo médico compatível, validado e comercialmente viável. Cada fase, desde a definição de planejamento e entrada até a produção e monitoramento, deve ser executada com rastreabilidade, rigor regulatório e colaboração entre equipes técnicas, de qualidade e regulatórias.
As organizações que tratam a realização do produto como um processo estratégico, não apenas uma obrigação regulatória, se posicionam para alcançar prazos de desenvolvimento mais rápidos, menos lacunas de conformidade e melhores resultados para os pacientes. Por meio de controle de projeto robusto, planejamento multifuncional, supervisão sólida de fornecedores e um sistema de feedback de circuito fechado que conecta o desempenho do mercado de volta ao desenvolvimento, as empresas podem criar dispositivos que não apenas atendem aos requisitos regulatórios, mas também excedem as expectativas clínicas.
Em um cenário regulatório global em rápida evolução, a realização do produto deve ser flexível, orientada por dados e intimamente conectada a sistemas de qualidade. É o mecanismo operacional por trás da conformidade, inovação e sucesso no mercado e, quando feito corretamente, se torna uma fonte duradoura de resiliência e reputação organizacional.